Pessoas confiam mais em empresas que em outras instituições, como ONGs, governos e mídia. Os dados levantados pela pesquisa “Trust Barometer”, divulgada pela Edelman no começo deste ano, mostra a importância que o meio corporativo tem no mundo. E numa era em que temas como sustentabilidade e desigualdade social são cada vez mais presentes e necessários, é importante que as empresas se perguntem: “o que estamos fazendo pelo mundo?”.
Foi por meio deste questionamento que surgiram as chamadas “Empresas B”, que são negócios que visam lucro, como qualquer empresa, mas também buscam gerar algum tipo de impacto social. A Natura é o principal exemplo deste tipo de negócio. Além de gerar um lucro de R$ 548 milhões no ano passado, a empresa tem a preocupação de utilizar embalagens de material reciclado e adquirir matéria-prima de comunidades amazônicas.
Conversamos com alguns diretores de Empresas B para entender quais são os impactos gerados por seus negócios, por que as empresas devem se preocupar com esses impactos e o que os diferencia de ONGs ou instituições filantrópicas. Confira!
Andréa Carvalho (CEO na Papel Semente, empresa que produz “papéis plantáveis”) – Todos os colaboradores da fábrica são moradores da comunidade onde fica a fábrica. São contratados independente de experiência, escolaridade, etc. A Papel Semente trabalha com matéria-prima reciclada e produz seu produto a partir de restos de aparas de papel de gráficas e de papéis jogados fora por empresas e residências. Quem coleta esse material é a Recooperar, cooperativa de catadores de itens recicláveis, que faz parte da ONG Guardiões do Mar. A parceria, além de apoiar a geração de renda e trabalho para muitos catadores, colabora para a limpeza e preservação das praias, rios e lagoas das cidades de São Gonçalo e Niterói, no Rio de Janeiro.
Bernardo Bonjean (Fundador e CEO da Avante, empresa que oferece microcrédito para microempreendedores) - O impacto social da Avante é dar um presente e um futuro melhor para o microempreendedor, empoderando ele com soluções como o microcrédito, que possibilita que ele tenha acesso a coisas que ele não tinha. Temos uma cliente que trabalha com venda de coxinhas, ela é uma mãe solteira que parou de estudar na sexta série, já pegou R$ 6.000 de crédito com a gente e conseguiu pagar uma faculdade privada para o filho, que se formou em jornalismo. A missão do nosso cliente é dar uma melhor educação para a sua segunda e terceira geração. Você dá um impacto no negócio dele que indiretamente acaba ajudando a investir na educação da sua família.
Etienne Du Jardim (Fundadora da Somos B, empresa de cursos de tecnologia para jovens de baixa renda) - Alguns dos impactos sociais que a Somos B gera fazendo a capacitação de jovens de baixa renda em tecnologia são os seguintes: equiparação em relação ao ensino profissionalizante de qualidade, para quem tem um difícil acesso, dentro desta área de desenvolvimento e tecnologia; empregabilidade, porque a partir do momento que eles estão capacitados numa das áreas que mais crescem, em demanda de mão de obra e capacitação profissional, eles conseguem se alocar melhor no mercado de trabalho sem ter a necessidade, muitas vezes, de ter uma graduação.
Além da capacitação técnica que a Somos B faz, também temos um programa paralelo às aulas que chamamos de "capacitação humana", que é uma capacitação mais social onde eles aprendem o básico do ecossistema de comunicação, publicidade e tecnologia, e conseguem desenvolver soft skills relacionadas ao comportamento. São coisas simples, como se portar dentro de uma reunião, como deve ser uma postura numa entrevista.
Os alunos, mesmo aqueles que não conseguem um emprego logo após o curso, visitam agências, empresas de tecnologia e ficam com uma autoestima melhor por acreditar que eles são pertencentes daqueles ambientes e podem chegar naqueles lugares e fazer a diferença.
Guilherme Massena (Co-Fundador da Dobra, empresa que produz carteiras de papel) - Nosso propósito na Dobra é deixar o mundo mais aberto, irreverente e do bem. E procuramos fazer isso de diversas formas.
Temos uma rede de produção que gera renda extra para pessoas que têm tempo livre, como costureiras e pessoas que querem dobrar e colar. Temos collabs em que artistas colocam suas artes em nossos produtos e recebem uma comissão sob cada item vendido (tem gente que abriu empresa com a renda das vendas). O “Dobra +1”, em que separamos R$1,00 de cada produto vendido para um fundo de investimento social em que periodicamente realizamos alguma ação de impacto, como o “Mãos à Dobra”.
Temos o nosso molde aberto, em que damos oportunidades para as pessoas entrarem na Comunidade Dobra sem precisar comprar o produto. Mas, mais do que isso, projetos sociais são sustentados pelas vendas de carteiras usando nosso molde.
Fazemos parte do Sistema B, que certifica as empresas que são as melhores para o mundo. Usamos embalagens reutilizáveis e papel semente que não geram lixo após o recebimento do produto. E todos aqui recebem o mesmo salário. Enfim, fazemos um monte de coisa louca.
João Paulo Pacífico (CEO do Grupo Gaia, empresa de securitização) - Nosso impacto social acontece de três formas.
Por meio da valorização de quem trabalha na Gaia, os chamados Gaianos. Investimos na saúde e felicidade das pessoas, nos preocupando verdadeiramente com a evolução dos seres humanos. Dentre as atividades, temos desde yoga, meditação, quiropraxia e massagem, até passeios como o que levamos todos para a Disney (mais de 70% não tinha viajado para fora do país). Palestras de desenvolvimento pessoal e atividades ligadas aos Valores da Gaia. Tratamos os Gaianos como seres humanos.
Também financiamos uma ONG, a Gaia+, que já impactou diretamente mais de oito mil crianças e jovens em vulnerabilidade social e capacitou centenas de professores da rede pública de ensino. Temos milhares de histórias lindas de transformação de vida desses jovens espalhados por todo o país.
E temos um foco em buscar negócios com Empresas B visando um impacto social positivo. Como principal negócio, citamos a Debênture do Bem que vai beneficiar a reforma de casas de até oito mil famílias, emitida em conjunto com a Din4mo (nossa sócia na InvestSocial) e com o Programa Vivenda. Por sinal, a InvestSocial tem o foco exclusivo em operações de impacto sócio-ambiental.
Marc Tawil (Diretor Criativo Executivo na Tawil Comunicação, agência de conteúdo, e colunista na Época Negócios) - O nosso negócio tem por princípio proporcionar protagonismo a aqueles que nos contratam. Percebemos, porém, que existe uma parcela considerável de instituições e ONGs que não teria investimento para direcionar e produzir a sua comunicação como merecem. Então, desde 2011, temos um braço de Causas em que operamos para o bem para essas entidades e até pessoas físicas: pessoas com deficiência, refugiados, igualdade racial. Eles se conectam conosco, vamos lá e tocamos adiante. Isso nos conforta e permite que essas instituições também comuniquem com excelência.
Andréa Carvalho - Quando estávamos para iniciar nossa operação, iniciamos uma pequena obra de adaptação das instalações, nessa época (foram 45 dias) eu recebi currículos preenchidos a mão, sem qualificação. Veja que a primeira expectativa que geramos naquela comunidade foi a de emprego e renda.
Eu, gestora na Papel Semente, tive uma experiência durante vários anos dentro de uma ONG que atendia a população de um lixão. Quando montamos a Papel Semente, juntando os dois fatos acima, tínhamos certeza que deveria trazer o impacto social para o negócio.
Para mim, a importância de agregar impacto social ao modelo de negócio é você fazer trabalhar a inclusão, o empoderamento e criar uma cadeia de valor no negocio. Isso não tem volta. Não podemos esperar soluções do poder público para estas questões. Temos que fazer a nossa parte. Cada vez mais o consumidor percebe o valor que isto tem para um produto e para a sociedade.
Bernardo Bonjean - O capitalismo para mim foi muito bom, se eu pudesse dar uma nota de 0 a 10, para mim seria 9. Mas, para a maioria dos brasileiros, ainda há muita desigualdade social, muita falta de acesso à educação, à saúde, e por isso as Empresas B são importantes. Se a gente não criar empresas que causem impactos sociais, vamos acabar sendo um país emergente eterno. Em alguns países é mandatório que uma empresa tenha um propósito, além do lucro. Dá para gerar lucro e impacto.
Etienne Du Jardim - Eu acredito que o setor privado também tem responsabilidade de diminuir a desigualdade social existente no país. Essa desigualdade traz uma série de mazelas para a nossa sociedade, como violência e uma economia fragilizada. O setor privado tem que parar de tentar exigir do setor público que essas coisas sejam resolvidas quando na verdade a gente pode incluir dentro de um modelo de negócio algo que de fato ajude para acabar com isso.
Qualquer empresa não pode ser um negócio de impacto, porque o negócio de impacto é uma coisa bem específica, mas qualquer empresa pode gerar impacto. E é isso que deveria ser um dos principais objetivos de um empresário. Não só o lucro e o quanto vai expandir o negócio. Não adianta pensar somente no seu negócio e no quanto você está evoluindo se a sociedade e a economia não evoluírem junto. Além dos objetivos traçados para o negócio, incluir um impacto social como uma das premissas da empresa é fundamental. No fim das contas, será bom para todo mundo, inclusive a empresa.
Essa desigualdade que se reduz, a geração de impacto social, a educação de qualidade chegando a mais pessoas, fazendo com que elas tenham mais poder de compra, ajuda a economia a aquecer. E com a economia aquecida, a gente tem mais lucro para todas as empresas. Não dá mais que as pessoas, de um modo geral, pensem só no seu.
Guilherme Massena - Uma empresa que não se entende como parte de um sistema e que não entende seu papel social está fadada ao fracasso. Raj Sisodia, co-fundador do movimento de capitalismo consciente no mundo, diz que se uma empresa não "cura" a sociedade, provavelmente ela está machucando. Ou seja, ela deve gerar valor, não somente financeiro, para todas as partes envolvidas (os famosos stakeholders): acionistas, funcionários, clientes, comunidade, animais, etc.
João Paulo Pacífico - Não é questão de posicionamento ou de ser bonzinho, se não for assim o mundo entra em colapso. O modelo existente já se provou falido, gerando uma desigualdade enorme e uma deterioração do meio ambiente sem precedentes. Ou mudamos a forma de fazer negócios... ou mudamos. Não tem alternativa.
Marc Tawil - Porque só é bom para nós, da Tawil Comunicação, quando é bom para todos. Acreditamos que o sucesso se mede por outros pontos-chave: relacionamentos saudáveis, visão de mundo agregadora, valores, respeito aos funcionários, aos clientes, à comunidade e ao meio ambiente.
Andréa Carvalho - Combinar lucro com a solução de problemas sociais e ambientais. Buscar empresas que desejam ser as melhores para o mundo e não só as melhores do mundo. É uma certificação, mas ao invés de certificar seu produto (como fair trade, por exemplo), reconhece as boas práticas do seu negócio.
As Empresas B estão comprometidas com a geração de impacto positivo na sociedade e no meio ambiente, ampliam os deveres de acionistas e gestores para incluir interesses não-financeiros, comprometem-se em operar com altos padrões de gestão e transparência, fazem parte do grupo de empresas e pessoas que usam os negócios para a construção de uma nova economia e compartilham boas práticas e atraem profissionais que buscam empresas com propósito. Tanto a filantropia quanto as ONGs não incluem lucros em seus modelos de negócios.
Bernardo Bonjean - Principal coisa que diferencia a Empresa B de uma ONG é o capital intelectual. Numa Empresa B você tem benefícios que a ONG não tem para atrair os melhores talentos, como opção de ação, bônus, salário mais agressivo. Quando você alinha esse capital intelectual com uma cultura, você acaba impactando muito mais gente. O que eu vejo também é que no Brasil, você atrai um capital que no final do dia quer feel good, porque trabalha com impacto, mas também quer doing good. A experiência que eu tive de trazer capital intelectual de ONG não foi tão positiva, sinto que são pessoas um pouco menos ambiciosas, menos hard work. Acho que esta é uma cultura das ONGs no Brasil, porque lá fora as ONGs são extremamente agressivas em termos de benefício, desempenho e aqui não há um gap muito grande quando comparado ao segundo setor.
Etienne Du Jardim - A diferença é o propósito. A Empresa B nasce com o propósito de gerar impacto social. Uma empresa normal, privada, tem como objetivo apenas o lucro. Ela tem toda a cadeia produtiva, o processo de trabalho voltado para isso. Numa Empresa B é diferente. O cerne do negócio é gerar impacto social.
Imagine que uma empresa cause uma série de impactos socioambientais negativos e muitas vezes ainda seja envolvida com corrupção. Mas eles têm uma área de responsabilidade social que faz uma doação semestral ou anual para projetos sociais, que se beneficiam disso. Todo o impacto negativo causado pela empresa não se equilibra apenas com essas doações.
Em uma Empresa B, todas as decisões da cadeia produtiva e da metodologia de trabalho são para gerar impacto. Se houver uma oportunidade de negócio que o impacto não vai ser positivo, a gente não faz. Essa é a grande diferença. Qualquer empresa pode fazer filantropia e ajudar uma ONG, mas ela não estará comprometida com uma geração de impacto positivo no cerne do seu negócio.
Guilherme Massena - A gente busca lucro. A gente quer lucro. A gente precisa do lucro! A diferença é que a gente entende que ela é uma consequência do valor que a gente gera para as partes e não o objetivo maior. A partir desse pensamento a gente se entende como uma organização que tenta, ao máximo, gerar impacto social na sociedade.
João Paulo Pacífico - Ambas são importantíssimas para a humanidade, porém cada uma com um papel. As entidades filantrópicas tem um modelo baseado em doação, já as Empresas B são negócios, que devem gerar lucro para continuar existindo, porém têm um propósito maior. O lucro é um meio de gerar renda para fazer o bem, não um fim.
Marc Tawil - O próprio nome deixa claro: são empresas, têm fins lucrativos, diferentemente de ONGs ou instituições filantrópicas. Porém, empresas preocupadas não em ser apenas as melhores do mundo, e sim as melhores para o mundo. Existe uma diferença substancial nisso, que é a intenção. Que universo queremos para o nosso semelhante hoje? O que queremos deixar como planeta para os nossos filhos e todos aqueles que aqui vivem?