Artigos 11 e 13, fake news, censura: nossa liberdade de expressão está ameaçada?
A liberdade de expressão nunca foi tão debatida quanto nos tempos atuais. Entre os produtores de conteúdo, um projeto de lei sobre direitos autorais gera preocupação, principalmente por conta dos artigos 11 e 13. O primeiro sugere “taxação” sobre um link, ou seja, seria preciso pagar ao site de origem para colocar um link externo em seu site. Já o outro termo restringe a publicação de conteúdos que fazem uso de copyright. O exemplo mais citado entre os críticos da legislação é que não poderia mais haver memes com cenas de filmes ou séries.
Além disso, o combate às fake news também tem sido tratado como uma espécie de censura, principalmente pela subjetividade e polarização do que é considerado fake news ou não. Entrevistamos nove especialistas em direito digital e propriedade intelectual para entender: afinal, nossa liberdade de expressão está ameaçada?
Confira quem são os entrevistados e as respostas abaixo:
- Adriano Augusto Fidalgo – Presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/Santana
- Cristiano Ferri – Gestor de Inovação do Lab-Hacker da Câmara dos Deputados e especialista em Democracia Digital
- Dante Cid – Vice-presidente de Relações Acadêmicas da Elsevier
- Erick Stegun – Advogado especializado em Propriedade Intelectual e Proteção de Dados na Lobo de Rizzo Advogados
- Maristela Basso – Advogada e Professora de Direito Internacional na USP
- Rafael Mott Farah – Sócio-Fundador da MFGM Advogados
- Sérgio Amadeu – Conselheiro do Comitê Gestor da Internet e Professor da UFABC
- Victor Novais – Advogado especialista em Direito Digital e Cybersecurity
- Walter de Sousa – Vice-coordenador do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura na ECA-USP
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Acredita-se que não, eles apenas consagrarão a proteção aos direitos do autor, de modo a garantir a sustentabilidade de certas empresas frente ao uso ilícito de seus direitos. Por exemplo, quando alguém atua ilicitamente apropriando-se de conteúdos de outros e se monetizando, em prejuízo de terceiros, ao invés do criador do conteúdo apropriado indevidamente. Portanto, parece, numa visão imediata, que a norma moraliza o uso dos conteúdos nas redes.
A liberdade de manifestação do pensamento se manterá de outras formas, pois, pela legislação brasileira, a citação da fonte os textos de outros veículos de comunicação podem ser citados pelas pessoas físicas. Agora os jurídicos terão que se adaptar para respeitar os direitos dos veículos jornalísticos.
Os impactos são ainda imprevisíveis, pois a norma não foi bem recebida na Europa, como noticiado. Dependerá também de como o mercado reagirá, pois, há empresas mais liberais na cessão de seus direitos nas redes. Por exemplo, mesmo havendo legislação que já punia nos Estados Unidos o compartilhamento de senhas para acesso de streaming, a Netflix se pronunciou no passado afirmando que não buscaria punição dos seus consumidores, não se importando que os seus usuários compartilhassem acessos entre um grupo limitado. Desta forma, em certa medida, o mercado se auto-regulará, independentemente da legislação.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
O combate às fake news é uma realidade mundial, de modo que há entendimentos de que inclusive configura crime em alguns países. No Brasil tramitam projetos de lei ainda não confirmados. Quem é vítima de fake news tem direito a buscar reparação cível e criminal, dependendo do conteúdo. Entende-se que deveriam ser punidas as empresas que criam fake news com intenção de promover os seus clientes e causar danos aos concorrentes ou inimigos. Agora, no que tange a riscos de censura se entende que não ocorrerá por essa via, mas poderá eventualmente ocorrer em situações isoladas que, na nossa legislação, possibilitarão na sua solução perante a via do Judiciário.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
A censura na web poderá ser combatida quando forem violados os direitos humanos, especialmente a dignidade da pessoa humana, quando atrelada ao direito à informação e comunicação, em situações pontuais. No caso do Estado Brasileiro temos guarida na própria Constituição Federal para que tais situações não imperem.
Vale lembrar que a ONU, em sua Agenda 2030, composta de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, se refere a “educação de qualidade”, o que não se desvincula do direito à informação e, por consequência, da liberdade de manifestação do pensamento, o que confronta eventual censura praticada por algum Estado que porventura violem as normas de Direito Internacional.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
O que eu vou falar não é em nome do Laboratório Hacker e nem expressa a posição da Câmara dos Deputados, o que eu estou fazendo é expressar a minha opinião como professor de democracia digital já há alguns anos. Qualquer limitação de qualquer filtro de conteúdo ou a colocação de taxas para compartilhamento de notícias ou conteúdos, quaisquer que sejam, eu acho que são bastante prejudiciais à lógica da internet. É similar a quebra da neutralidade da rede.
Nós temos que apostar que eventualmente já existem mecanismos e as pessoas que se sentirem lesadas na violação de algum direito autoral já podem usar a legislação vigente para reivindicar isso. Colocar processos automáticos, que limitam ou dificultam de maneira sistemática e orgânica o compartilhamento de conteúdos, eu acho que isso é atacar a espinha dorsal da própria ideia de internet.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Sim. Em alguns casos vemos situações com ímpeto de combater fake news, que é algo que deve ser combatido realmente, em que se criam processos de censura de conteúdos de maneira automática ou não. Isso é muito perigoso, para resolver um mal menor pode criar um mal maior, que é justamente cercear a liberdade de expressão na web. Existem mecanismos melhores de criar um sistema em que as pessoas aprendam a ler, entender e a depurar fake news.
Eu estou mais na linha de defender um processo de educação e conscientização de que qualquer conteúdo que você receber na internet, que você procure as fontes, vá aos mecanismos de fact-checking (checagem de fatos, em português). Em vez de criar mecanismos de censura, eu acho que é muito mais interessante investir em campanhas de conscientização e educação para o uso da internet como um todo.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
Eu acho que as pessoas que participam desta grande discussão polarizada em questões morais e de costumes, ou mesmo nas questões políticas, precisam se unir e defender um princípio básico da web que é o direito universal à livre expressão. Não podemos deixar, sob o pretexto de reduzir ou evitar danos à imagem, ao uso indevido de direitos autorais de conteúdos, à proliferação de fake news e etc, que são problemas que precisam ser lidados, que se criem mecanismos de censura, filtros automáticos, limites, taxas. Se não, vamos formar uma web de corporações e não de pessoas livres para se expressar.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Os artigos 11 e 13 buscam estabelecer um equilíbrio mais justo entre os criadores de conteúdo e as plataformas que o divulgam. Não há limitação à liberdade de expressão, simplesmente o devido reconhecimento ao criador do conteúdo. As plataformas que replicam conteúdos criados por terceiros não estão impedidas de mostrar esse conteúdo; apenas terão que garantir que seu criador tenha seus direitos reconhecidos.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Não há risco à liberdade de expressão. O que se busca é simplesmente reconhecer os direitos do criador de conteúdo eventualmente replicado na plataforma.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
Continua havendo total liberdade de expressão. Todos podem publicar seus conteúdos e opiniões. Os artigos 11 e 13 regulam apenas o tratamento dado por terceiros a conteúdo protegido por direitos autorais.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Eu entendo que os artigos por si só, caso sejam aprovados com o conteúdo que possuem atualmente, não tem o condão de tolher a liberdade de expressão na internet. Até mesmo porque a liberdade de expressão, seja ela na internet ou no “mundo real”, possui, e deve possuir, limitações. Tais limitações se encontram exatamente nas leis. Isso significa, por exemplo, que uma pessoa não pode publicar um conteúdo racista no Facebook e alegar que essa atitude é protegida pela liberdade de expressão. Da mesma forma, as pessoas e empresas não podem publicar, sem autorização, conteúdo cujos direitos autorais sejam de um terceiro.
Os artigos 11 e 13 não foram feitos para impedir ou restringir a liberdade de expressão, mas sim para tentar diminuir as violações de direitos autorais que ocorrem no mundo digital.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Antes de responder à pergunta, é importante partimos do pressuposto que ninguém (abertamente) defenda as fake news. Ou seja, está claro para todos que as fake news podem trazer malefícios e, portanto, devem ser combatidas. Acho que esse ponto é incontroverso. Considerando que as fake news realmente são prejudiciais, o combate às fake news como princípio não é uma censura.
A História está repleta de cientistas, legisladores, políticos e pessoas comuns que, com boas intenções, criaram invenções, leis, políticas ou qualquer outro elemento que foram posteriormente utilizados para prejudicar pessoas. Da mesma forma, regras que possam vir a serem criadas para combater as fake news podem ser utilizadas para fins de censura. Isso não significa que devemos ficar inertes no combate às fake news, mas sim que temos que fiscalizar a criação e a aplicação das ditas regras.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
Infelizmente não existe uma fórmula mágica para combater a censura na internet. O Direito pode mitigar o risco da ocorrência de censura, ao criar e aplicar regras jurídicas, mas seu poder de atuação tem certo limite. Vale lembrar que, como tudo na vida, o outro extremo também não é o ideal. Isso significa que temos que tomar cuidado para, ao tentar impedir a censura, não autorizar crimes, discursos de ódio, fake news ou qualquer outra atividade ilegal que possa se proteger da ilegalidade pela alegação de liberdade de expressão.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Os artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais europeia não podem ser considerados um perigo à liberdade de expressão na internet, até porque a mesma prevê o direito de remuneração justa pelo uso digital das suas publicações, bem como a proteção do direito autoral nos serviços que armazenam e dão acesso a conteúdo em que haja upload pelo próprio usuário.
A ideia da lei é a proteção aos autores. Ocorre que essa taxação sobre os direitos autorais irá favorecer os detentores dos direitos. Nada há que se falar em aplicação de censura, quando na verdade não haverá um cerceamento da liberdade de expressão.
A aplicação dessa lei pode sim ser danosa aos serviços de conteúdo e as redes sociais, disso não há dúvidas, mas taxar como censura a liberdade de expressão na internet seria demais, já que o usuário não estará impedido de publicar, mas caso publique algo que não seja 100% original correrá o risco de ter que arcar com os custos sobre os direitos autorais ou ver a rede social ou plataforma retirar a sua publicação para evitar que ela seja demandada judicialmente.
O combate às fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
O combate a fake news não pode ser confundido como uma espécie de censura já que a disseminação de informações falsas por si só é penosa para a comunidade digital e sociedade como um todo.
Ao contrário do que se aponta na pergunta feita, o combate às fake news deve ser interpretado como uma medida necessária para a não disseminação de informações danosas. Pensar que esse combate imputaria algum tipo de censura se mostra incorreto.
O direito sobre a liberdade de expressão está garantido, o combate às fake news não irá desconstituí-lo, pelo contrário, evitará falsas informações. Todo veículo de comunicação que se respeite, antes de divulgar qualquer informação, procura checar a fonte da mesma, procura a veracidade da notícia. Essa é uma medida antiga que tem o condão de evitar a notícia falsa, e nem por isso é considerada censura.
Portanto, o combate a fake news não deve ser interpretado como censura ao conteúdo online, pelo contrário, trata-se de uma garantia de veracidade da informação.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
Não há como precisar qual seria a melhor medida para o combate a censura na web, até porque no Brasil não há censura. A internet brasileira não possui censura como a de outros países (ex. Coreia do Norte, República Popular da China).
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Caso aprovados, tais artigos teriam o condão de alterar o modo como a internet é acessada na Europa e, a meu ver, representam sim um perigo à liberdade de expressão na Internet, em especial, à censura prévia de conteúdo e a impossibilidade de compartilhamento de artigos de notícias sem restrições automáticas.
A grande preocupação, nesse sentido, é a concentração de conteúdos nas mãos de poucos agentes e também a possibilidade, com a criação de filtros, de que sejam removidos conteúdos lícitos.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Sem dúvidas. Como já defendi em um congresso apresentado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, a criação de mecanismos institucionais/governamentais de combate às fake news é uma ameaça em potencial à liberdade de expressão e às demais garantias comunicativas previstas na Constituição Federal.
A ameaça é potencializada pela própria dificuldade em se criar esse tipo de controle: a quem competiria a tarefa de dizer o que é ou o que não é verdade? Como definir se o conteúdo possui o intuito de iludir alguém? Para esse último ponto, destaca-se o subjetivismo inerente à intenção do emissor.
Além disso, as redes sociais não são espaços em que apenas é possível compartilhar conteúdos verdadeiros, notadamente porque a liberdade de expressão, em sentido amplo, não é limitada pela verdade, abrangendo, também, críticas, sátiras e demais formas de comunicação que, por vezes, podem até mesmo ofender ou chocar. Defendo que a remoção de conteúdo da internet deve se dar em caráter excepcional, o que não impede a reparação pelos danos ocasionados por determinado conteúdo.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
A legislação brasileira foi pensada para proteger a liberdade de expressão na internet. O artigo 19 do Marco Civil da Internet estipula que os provedores de aplicações de internet somente serão responsabilizados pelo conteúdo gerado por terceiros na hipótese de descumprimento de ordem judicial. A exceção para essa regra geral se encontra no artigo 21, que trata de cenas de nudez de caráter privado; em tais casos, o provedor será responsabilizado se não remover o conteúdo após a notificação da parte interessada. A única exigência para a parte interessada é que indique especificamente a localização exata do conteúdo a ser removido, o que pode se dar por diversos meios, como pela indicação do hash ou da URL do conteúdo, embora essa última seja a mais recomendada.
Antes da vigência do Marco Civil da Internet a exceção era a regra. A jurisprudência caminhava para definir que os provedores seriam responsabilizados pelos conteúdos na hipótese de não removê-los após simples notificação extrajudicial. A manutenção de tal entendimento poderia acarretar em censura. Isso porque os provedores tenderiam a remover mais conteúdos caso fosse possível serem responsabilizados posteriormente por eles, o que fariam com a finalidade de evitar condenações.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Veja bem, eu acho que pode representar dependendo do escopo do que vem a ser interpretado. Na verdade, a gente tem que garantir a liberdade de expressão, mas também precisamos garantir a condição de a comunicação ser feita sem intimidação ou ameaça, que seja respeitado o direto das minorias e dos grupos de colocar seus pontos de vista, desde que se respeite a diversidade e os direitos humanos, essa é a questão. Então, temos que separar liberdade de expressão de discurso de ódio.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Eu sigo na linha do que eu falei anteriormente. Sim, existe um risco de censura se você não tiver efetivamente claro que o princípio fundamental é a liberdade de expressão e de pensamento. Ocorre que esse princípio também deve ser balanceado com outros princípios que constituem os chamados direitos humanos. Em geral, o discurso de ódio não é uma opinião racional ou a defesa de um ponto de vista, mas visa atacar minorias, grupos sociais fragilizados, pessoas em situação de dificuldades físicas, psicológicas ou social.
É muito possível separar o discurso de ódio de outros tipos de discursos. Se você conseguir fazer isso será possível preservar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo evitar que mulheres, homossexuais, negros e deficientes físicos sejam atacados. É possível separar esses crimes da liberdade de expressão sem cometer exageros, que é algo que me preocupa muito. Por isso que eu não acredito que sistemas automatizados impeçam previamente que as pessoas façam determinadas postagens, nós precisamos mesmo é de condições para que as pessoas denunciem o discurso de ódio.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
No Brasil, ela é dificultada graças ao Marco Civil da Internet, que garante a liberdade da expressão, que diz inclusive que as plataformas não podem ser responsabilizadas por conteúdos postados por terceiros. Então ele não pode ter uma ação prévia de censura. O Marco Civil garante o direito à liberdade de expressão na internet. Isso por enquanto, porque ele está sendo atacado.
Temos uma estrutura no Brasil que garante a liberdade de expressão, a navegação anônima e os direitos das pessoas que usam as redes sociais. A melhor forma de se garantir tudo isso é brigando pela nossa Constituição e pelo Marco Civil da Internet.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
Certamente. A liberdade de expressão é direito basilar em qualquer sociedade e creio que, com a aprovação dessa reforma legislativa em Direitos Autorais, a Europa retrocedeu. Essa garantia de remuneração proposta pelo artigo 11 fere a democratização de produção de conteúdos e a livre circulação destes, impedindo que veículos de imprensa de menor expressão não consigam publicar seus conteúdos perante as plataformas. Já o artigo 13, a meu ver, é temerário, posto que os filtros serão controlados via elementos privados (ou seja, não haverá transparência alguma quanto aos procedimentos adotados) e, de mais a mais, ficará a juízo dos atores/elementos que alimentam a inteligência artificial (via procedimentos cognitivos específicos) identificarem e descreverem o que infringe ou não direitos autorais.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
Creio que o equilíbrio, nesse ponto, é essencial. A produção e compartilhamento de fake news teve grande repercussão nas duas grandes eleições presidenciais dos últimos três anos (em 2016, nos EUA, e em 2018, no Brasil) e, de certa forma, tais práticas acabam por colocar em cheque a credibilidade do produtor do conteúdo, fora a possibilidade deste responder judicialmente por aquilo que produziu a respeito de alguém.
E, além disso, o outro lado também se reflete. As fake news, muito além de servir como instrumento de prática de crimes contra a honra, também serve para desinformar a sociedade. No entanto, como defensor intransigente da liberdade, ainda mais na vertente da liberdade de expressão, creio que o combate às fake news não pode beirar ao autoritarismo. Portanto, o equilíbrio é essencial.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
Uma das melhores formas de se combater a censura é através do uso da Internet, da produção e divulgação de conteúdos, de denúncias, etc, por intermédio dela. Se a Internet for submetida a qualquer tipo de controle, ainda que mínimo, enfrentaremos dificuldades do todos os tipos. Tivemos mudanças significativas nos últimos tempos por ocasião da Internet, pois essa é, sem dúvidas, a ferramenta de conhecimento mais efetiva que temos à nossa disposição. No entanto, justamente com o fim de evitar complicações (judiciais, principalmente), é importante que os usuários mantenham o ideal de uso responsável da Internet. A educação digital é pilar fundamental para o bom uso da Internet e, como dito, é uma das melhores ferramentas para o combate à censura.
Os Artigos 11 e 13 da lei de direitos autorais na Europa representam de fato um perigo à liberdade de expressão na Internet? Quais seriam seus impactos?
O uso da internet, e em particular das redes sociais, envolve a discussão sobre o limite entre o público e o privado. O artigo 11 defende a cobrança pelo uso comercial das redes sociais, com exceção para o uso privado não-comercial. A experiência aponta que o usuário é refratário ao pagamento por informação, algo que é commoditie na rede. Ao mesmo tempo, as redes sociais, que são empresas privadas, comercializam os dados de seus usuários sem remunerá-los.
O artigo 13 cria uma regra diferenciada para material subido na rede, ou seja, ele deixa de se submeter à legislação do direito autoral e passa a depender de negociação com a rede que veicula seu conteúdo. Mais uma vez, perde o usuário em detrimento das empresas privadas. Nota-se que, ao contrário do que ocorre fora da rede, em que o usuário é defendido por leis que regulam a relação com o consumidor, na internet ocorre o contrário: por ser usuário ele se submete às empresas sem que elas tenham qualquer compromisso em remunerar o uso dos seus dados para fins comerciais. Ambos dispositivos criam um novo ambiente legal para a veiculação de conteúdos, em que a liberdade de expressão se submete à lógica comercial das empresas de tecnologia que operam as redes sociais.
O combate à fake news corre o risco de ser uma espécie de censura aos conteúdos online?
O primeiro ponto a ser destacado é que a notícia falsa (evito o uso do termo “fake news” que, a partir da campanha de Donald Trump adquiriu um novo sentido: se trata de notícia que, se discorda do que acredito, se torna falsa) não é privilégio das redes sociais. Ela foi criada e sempre existiu nos meios tradicionais de comunicação. O que muda com as redes sociais é que o elemento mediador, ou seja, os meios de comunicação, são substituídos pela interação comunicacional direta com o usuário. Sem mediação, não há o filtro social e o risco de atentado à liberdade de expressão cresce exponencialmente.
As formas de coibir a notícia falsa devem ser criadas pelas empresas que operam as redes sociais. Foi o que aconteceu com o WhatsApp após as eleições de 2018. Somente após a enxurrada de notícias falsas que a empresa decidiu restringir os mecanismos de divulgação em massa. Esse controle não se trata de censura, mas de novas formas de filtragem da informação. Nos meios tradicionais quem fazia isso eram os profissionais de imprensa. Como nas redes o usuário é ao mesmo tempo emissor e receptor, o meio é que precisa criar esses filtros. Outra questão pertinente é que a notícia falsa não surge do nada, ela é orquestrada e manipulada a partir de interesses políticos e comerciais. Os agentes desses interesses usam deliberadamente as redes e não há dispositivo legal que os identifique e criem limites para a sua atuação. O que não vem a ser censura, pois há regras, por exemplo, para a propaganda eleitoral gratuita, no caso dos políticos, e códigos de defesa do consumidor, para o uso comercial.
Quais seriam as melhores alternativas para se combater a censura na web?
A censura, em seu sentido tradicional, se refere a mecanismos estatais de controle da informação e da produção criativa. Esses mecanismos envolve a criação de estruturas burocráticas que exerçam esse controle a partir de corpo de funcionários treinados, regras definidas e um claro papel coercitivo sobre o que se pode ou não ser visto. No Brasil houve censura estatal desde o descobrimento até a Constituição de 1988.
Já a concepção contemporânea de censura envolve uma certa “privatização” dessa atividade. Quem censura hoje são outros agentes sociais: o Judiciário, por meio do processo jurídico movido por empresas e cidadãos; as empresas privadas, ao definir o que seus funcionários podem ou não disseminar pelas redes; as associações e entidades que defendem interesses específicos e que se manifestam contrariamente a conteúdos publicados; etc.
As redes sociais criam suas regras para disseminação de conteúdo, da mesma forma que os meios tradicionais de comunicação têm seus “manuais de redação”. Há governos que criam mecanismos tecnológicos de controle do acesso à rede da população, como os da China e da Rússia. Criam filtros que selecionam temas que podem ou que devem ser escondidos do usuário. Esse é o problema maior. Controlar notícia falsa é uma questão que envolve a credibilidade de uma empresa de comunicação digital. Controlar o acesso à informação por meio de uma empresa de tecnologia que atua a partir de interesses políticos de governos não democráticos é algo que coloca em risco a liberdade de expressão. Toda essa discussão revela o quanto o tema da liberdade de expressão se tornou muito mais complexo, uma vez que as relações sociais também se complexificaram. Por isso a discussão deve ser sempre ampla e pautada pelo empenho democrático. Isso poderia ser óbvio, como sempre foi, mas a emergência de governos e de atividades comerciais controladores colocam em risco a própria discussão.
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