Como fica o home office se for aprovada a reforma trabalhista?
Uma das grandes vantagens ocasionalmente disponíveis para profissionais da área de Tecnologia da Informação é o trabalho remoto, também conhecido como home office ou teletrabalho. As próprias características de seu ofício lhes permitem executá-lo fora das dependências da empresa, desde que haja as ferramentas necessárias e, principalmente, um acordo entre as partes. Todavia, nem sempre é possível encontrar termos que sejam benéficos a empregador e a empregado, o que muitas vezes inviabiliza a negociação ou a torna desigual.
Mas por quê? Certamente há mais de uma razão, porém é incontestável que se deve, em grande medida, à legislação brasileira, que ainda é destinada a uma realidade antiga, em que a tecnologia praticamente não figurava. Não existem dispositivos específicos para regulamentar essa modalidade; o máximo que foi feito, até hoje, foi a Lei 12.551/11, que, ao alterar o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, “equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos”; ou seja, passou-se a prever os mesmos direitos trabalhistas a quem atua remotamente.
A proposta de reforma, que tramita atualmente no Senado Federal – e já passou pela Comissão de Assuntos Sociais – pretende transformar essa realidade, na medida em que dispõe, dos artigos 75A ao 75E, sobre a regulamentação do home office. Mas será que eles são suficientes para garantir, ao mesmo tempo, segurança jurídica às empresas e proteção aos trabalhadores, de modo que mitigue os conflitos e torne essa modalidade mais viável?
Teoria x prática
Um colaborador mais engajado, que trabalha em um ambiente confortável, não precisa aturar horas de transporte entre casa e empresa, pode passar mais tempo com sua família, tem mais flexibilidade no horário de expediente, gasta menos dinheiro com alimentação e tem melhor qualidade de vida.
Uma empresa que economiza significativas quantias em infraestrutura, alocação de funcionários, vale-transporte, espaço de trabalho e uma série de outras despesas que vêm atreladas à presença física do colaborador.
Embora esses fatores, na teoria, sejam consequência da adoção do teletrabalho, ainda há receio de acordar a modalidade. Segundo a pesquisa Home Office Brasil de 2016, da SAP Consultoria, mais de 90% das empresas que ainda não adotam o home office o fazem por (entre outros motivos) aspectos legais e gestão das atividades.
Ao mesmo tempo, de acordo com a mesma pesquisa, para mais de 80% das empresas que adotam a modalidade, a intenção é atrair e reter colaboradores e otimizar os processos internos. Contudo, 39% desse total estabelece o home office informalmente. Ou seja, a teoria é quase unânime, mas a prática – se adotada – encontra barreiras.
Como é atualmente
Cássia Pizzotti, sócia sênior do Consultivo Trabalhista do Demarest Advogados, explica que “A Lei 12.551/2011 foi muito simplista ao equiparar o trabalho desenvolvido no domicílio àquele desenvolvido no estabelecimento do empregador. A intenção naquele momento foi de simplesmente garantir que o trabalho remoto não fosse justificativa para evitar a aplicação do regime celetista (que vigora sob as exigências da CLT), mas acabou deixando de regulamentar ou orientar diversas situações práticas que inevitavelmente surgiriam”.
É justamente por esse motivo que a prática ainda encontra barreiras a sua adoção. Não está determinado, atualmente, o controle da jornada de trabalho, o que cria incertezas sobre, por exemplo, o pagamento de horas extras e de adicional noturno.
De quem é a responsabilidade sobre os equipamentos necessários à execução das tarefas do profissional, como computador, tablet e conexão à internet? Ele próprio ou o empregador? Aí está outra lacuna da legislação atual, que não regulamenta essa questão, tão importante ao acordo.
E se o colaborador sofre um acidente em casa, como uma fratura, por exemplo, enquanto presta serviços ao empregador? Isso é considerado acidente de trabalho? E, nesse caso, como se deve proceder?
O que muda com a aprovação da reforma
A mudança principal trazida pela reforma, como já mencionado, é a criação de dispositivos específicos sobre o teletrabalho. Caso aprovada, exigirá, conforme o texto original, que “conste expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado”, o que não ocorre hoje.
Segundo Ivan Nogueira Lima, advogado da Demarest Advogados, “o projeto de lei da reforma trabalhista é mais detalhado quanto ao trabalho remoto (ou teletrabalho) do que a Lei 12.551/11 - a qual simplesmente equiparou o trabalho remoto ao desenvolvido no estabelecimento do empregador -, abarcando expressamente os temas que mais geram controvérsia nessa modalidade de contratação, como o controle de jornada e questões de saúde e segurança e responsabilidade sobre o equipamento”.
O que passa a ocorrer, basicamente, é que ficam obrigadas as partes a acordar os pontos polêmicos no contrato. A jornada de trabalho, por exemplo, está isenta de controle; porém, existem maneiras de controlá-la – como ponto eletrônico –, o que pode ser interessante para delimitar horas extras e adicional noturno.
A responsabilidade sobre os custos também está condicionada a acordo. Empregador e empregado devem definir, no momento da redação e da assinatura do contrato, como vão dividir as despesas com infraestrutura para o exercício profissional. É importante que o colaborador esteja atento aos termos para garantir que não arque com ônus econômicos que cabem à empresa.
Quanto à saúde no trabalho, outro ponto de atenção, a proposta define que “o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho” e que “o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”. Porém, Cássia Pizzotti observa que, “como é inviável ao empregador controlar o cumprimento de tais normas pelo empregado assim como não é factível delimitar o que teria ocorrido durante o trabalho ou não, o projeto poderia, com base nesses aspectos e uma vez cumpridas as obrigações pelo empregador, isentá-lo de responsabilidade nos casos de acidente ou doença”.
Embora se possa afirmar que a proposta de reforma trabalhista avança na regulamentação do teletrabalho pelo fato de objetivar tratar do assunto na Constituição, atualizando-a, ao mesmo tempo deixa muitas questões fundamentais abertas a negociação. Isso pode ser muito bom, pois flexibiliza as possibilidades de acordo, mas pode ser muito ruim, pois permite contratos muito desproporcionais.
É importante, portanto – e isso vale para empregador e, principalmente, para empregado –, que sejam analisados todos os pormenores da descrição das funções e da infraestrutura necessária a sua realização e, a partir desses dados, seja redigido um contrato que atenda às expectativas de ambas as partes.
Caso contrário, uma modalidade de trabalho que é, indiscutivelmente, uma tendência – como mostram diversas pesquisas feitas em países desenvolvidos – pode continuar encontrando barreiras e criando frequentesconflitos trabalhistas no Brasil.
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