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Do It Yourself: Descubra como a Cultura Maker está inspirando profissionais a colocarem a mão na massa

Um dos lemas do movimento punk na década de 1970 era o “Do It Yourself” (faça você mesmo, em português). Ao passar dos anos, essa ideia se estendeu para além da música e invadiu o mundo literário, através das fanzines, das artes e até da tecnologia, graças ao movimento maker.

A ideia do movimento é simplesmente um “vai lá e faz”. Ele propõe que as pessoas tirem suas ideias do papel aproveitando-se das tecnologias disponíveis, como impressão 3-D e cortadoras a laser, e promover inovação, seja em empresas ou escolas.

Conversamos com quatro especialistas nesta cultura para entender se qualquer um pode ser realmente um maker, quais são suas semelhanças com outras culturas de inovação, como as das startups, a importância da colaboração e o que as empresas podem aprender com este movimento. Confira!

Qual é o perfil de um maker? Qualquer um pode ser um maker?

Antoni Cristiano Romitti (Co-coordenador da Rede Fab Lab Brasil) - O maker é um grande solucionador de problemas. Ele não pode ter todas as competências para construir coisas, mas ele é curioso e procura meios de se resolver problemas das mais variadas formas. Qualquer um pode ser um maker, desde que tenha o protagonismo de querer criar soluções e resolver problemas por ele mesmo, sem esperar que a solução venha dos outros.

Thiego Goularte (Fundador da Makers) – A cultura maker é um fenômeno social que não é facilmente definido, não se tem histórico, tampouco grandes teses sobre o tema. Então eu vou pular a parte de uma introdução teórica de como pensei em montar a Makers e vou pular para o que eu sinto ser tudo isso. Para mim, significa atitudes diferentes, de pessoas diferentes, sobre diferentes perspectivas.

Desta forma, montei a Makers, pensando em conectar mentes brilhantes de marketing e inovação, das mais diversas indústrias, e que estivessem afoitas para fazer a diferença no mundo, a fim de discutir modelos, formas e novos padrões dentro das organizações. Seja na forma que se enxergam como líderes, seja a forma que enxergam suas companhias e seus impactos no mundo.

A Makers é um grupo seleto e fechado e possui um processo seletivo, no qual usamos três pilares como métodos de avaliação: mindset maker, posição e/ou cases e influência.

Felipe dos Santos Siqueira (Gestor de Projetos de Inovação na Cia Makers) - Makers são fazedores, precisam ser capazes de identificar recursos disponíveis e produzir com o que tem. Necessitam de resiliência, força de vontade e energia extra. Makers não são distinguidos por características de raça, gênero, cor ou idade. Basta serem "fazedores".

Leandro Libério (Especialista em Transformação Digital e Indústria 4.0 na Raro Labs) - O maker é o famoso "bota pra fazer". Portanto é uma pessoa que possui iniciativa e resiliência. Ele entende que o processo de resolução de um problema é interativo e incremental, ou seja, a cada tentativa existe uma oportunidade de se aperfeiçoar.

Para mim, não é uma questão de ser maker, mas provavelmente voltar a ser maker. O avanço tecnológico e tempos de bonanza econômica deixaram as pessoas mais, digamos, "preguiçosas" e motivadas a "pagarem para fazer". Quando somos crianças geralmente somos estimulados a trabalhos manuais, a colocar no papel nossas ideias para depois concretizá-las de alguma forma, mesmo que seja numa encenação ou maquete. Isso é ser maker, não é? Por que deixamos de agir assim?

O que há de semelhante e de diferente entre os makers e as startups da Silicon Valley?

Antoni Cristiano Romitti - De semelhante é ser criativo e inventivo, e às vezes até disruptivo, por terem uma visão diferente. Mas eles se diferem pelo fato que os makers são menos empreendedores que as startups, principalmente porque os makers criam suas soluções, mas não percebem que pode vir a ser um nicho de mercado.

Thiego Goularte - A cultura maker se apoia fortemente na ideia construtivista. Isso, por só si, já define que pessoas com este mindset evoluem mais rápido quando estão colocando a mão na massa. Durante anos relacionavam a cultura maker apenas com empreendedores, agora estamos transportando ela para dentro das grandes organizações. Sendo universal, ela se torna quase um método especifico de aprendizado e de comportamento dos “outliers”, é por ela que identificamos quem será capaz de promover grandes mudanças.

Na Makers todos os membros constroem e discutem colocando a mão na massa para encontrar respostas por problemas que ninguém enxergava, e eu os relaciono muito com o Silicon Valley. Por lá, as startups aprendem que para escalarem seus negócios elas precisam resolver um problema real, do mundo real. Elas precisam pensar como seus clientes pensam, entender seu comportamento e seus inputs para desenhar a melhor solução. Essa é a narrativa tentativa e erro, colocando um produto ou serviço no mercado e ir ajustando conforme seus clientes os utilizam - a famosa versão beta.

Felipe dos Santos Siqueira - Makers são "independentes". Geralmente não possuem tantos recursos disponíveis e são mais autônomos no que fazem. A busca por resolver problemas, trabalho em times colaborativos, características ágeis e criativas são bons pontos em comum.

Leandro Libério - Acredito que sim. Um bom argumento pode ser percebido num dos grandes aprendizados do livro base de todo empreendedor: Lean Startup. O livro do Eric Ries cita justamente um ciclo baseado em Construir, Medir e Aprender.

Talvez por algum tempo, o maker foi associado apenas ao "inventor", que nem sempre busca criar uma inovação para o mercado. Então podemos dizer que o empreendedor de startup precisa ter atitudes maker e vontade de demonstrar a utilidade ("valor percebido") para um mercado consumidor relevante.

Por que a educação é um dos focos da cultura maker? E como ela pode ser ensinada nas escolas?

Antoni Cristiano Romitti - Porque as pessoas precisam de conhecimento diversos para resolver problemas. Ela pode ser ensinada através de pequenas vivências e desafios dentro dos Fab Labs, onde o indivíduo pode ter contato com tecnologias acessíveis que o ajudarão a construir soluções mais rapidamente.

Thiego Goularte - Acho que o problema é um pouco mais profundo. Não se pode pensar que uma criança em todo seu potencial, consumindo tecnologia e conteúdo em varias formatos e dispositivos, ainda sente em carteiras e aprenda sobre temas numa lousa verde, com giz de cera e estude apenas para ser avaliada em uma prova. Tudo evoluiu, menos a metodologia de ensino. Certa vez, vi uma matéria no The New York Times que falava sobre a queda do interesse das crianças na escola e como elas estavam indo buscar conhecimento no Youtube. Isso é uma mudança de comportamento, alguém está enxergando isso?

Cada indivíduo possui uma forma de construir pensamento e conectar ideias, não se pode padronizar um método de ensino, já antigo, e aplicar de forma unilateral para qualquer criança. Antes de tudo, precisamos repensar o que queremos da educação, mudar modelos, formatos e, aí sim, pensar em como aplicar o que de diferente no mundo - a cultura maker por exemplo.

Felipe dos Santos Siqueira - Quanto maior o conhecimento, mais amplitude de recursos é possível ao indivíduo e aos grupos e maior o potencial de transformação.

Melhores modelos mentais e comportamentos diante do mundo podem ser inseridos em conteúdos já existentes e novos, sendo fundamental a revisão do "como" é transmitido.

Leandro Libério - Acredito que haja várias conexões entre a cultura maker e a educação, pois, como disse anteriormente, está ligado ao "aprendizado contínuo".  A aderência da cultura maker aos modelos educacionais atualmente ganha relevância principalmente por conta do modelo das escolas tradicionais, em que o professor era o centro do processo e os alunos meros espectadores.

A cultura contemporânea neste mundo híbrido (físico e digital) tem mostrado que as pessoas precisam e querem ser protagonistas. Aí a cultura Maker encaixa-se como uma luva. Você é o autor do seu aprendizado. Independente se parte da mesma ideia ou do mesmo problema - a jornada para se chegar à solução, e no caso, esse percursos com suas várias tentativas é diferente proporcionando uma experiência única ao aprendiz.

A cultura maker não se ensina com "aulas expositivas" ou "palestras", é um processo "mão na massa". Portanto, o desafio da escola e do professor é ajudar e criar experiências onde o estudante passa a construir seu próprio conhecimento com suas evoluções que combinam erros e acertos.

Nada mal começar com iniciativas pequenas e ir evoluindo para que se mude todo o paradigma pedagógico da escola, por exemplo, as escolas que tem seus planos pedagógicos baseados em projetos. Dentro de um projeto podem ser encaixados vários desafios e oportunidades para a construção de um conhecimento.

Por que a colaboração é uma parte tão importante desta cultura?

Antoni Cristiano Romitti - Colaborar significa interagir com outras pessoas ao seu redor para a busca de soluções em conjunto, isto é, ao colaborar você recebe conhecimento, mas pode ensinar também e as soluções ganham mais robustez.

Thiego Goularte - Colaboração é a base para qualquer trabalho em equipe, e o sentido de trabalhar em equipe é a excelência, quantos mais pessoas pensando na solução, sua chance de acerto aumenta bastante.

Felipe dos Santos Siqueira - Porque "fazer" requer a soma das partes, onde cada indivíduo possui uma contribuição diferente e complementar.

Leandro Libério - Atualmente as organizações que estão passando por um processo de transformação digital exigem as famosas "soft skills", então são valorizadas competências como: a resolução de problemas complexos, trabalho em equipe e empatia. Ou seja, num mundo cada vez mais complexo e tecnológico, os principais desafios da pessoa é desenvolver suas competências humanas essenciais.

Pois bem! Na cultura maker isso é similar. Quanto mais complexo o seu desafio, mais relevante é saber se conectar com pessoas e tecnologias. Além disso, sabemos que ao compartilharmos algum recurso ou aprendizado com as outras pessoas estamos reforçando nossos conhecimentos e reputação. Essa rede de colaboração acaba te "devolvendo" quando você precisa resolver algo fora do seu domínio de uma forma até mais grandiosa do que como você contribuiu com a rede.

Além disso, podemos dizer que em espaços criativos não existe inovação sem colaboração. É com base em alguma dica, opinião ou até mesmo crítica que nossos projetos e soluções evoluem. Em Espaços Maker, que também são espaços de coworking, a serendipidade acontece.

Que áreas já estão sendo impactadas pelos trabalhos dos makers e quais são as expectativas para o futuro?

Antoni Cristiano Romitti - Principalmente automação, sensoriamento, robótica, artes visuais, saúde, engenharias e cidades inteligentes. Que o movimento cresça e se torne cada vez mais parte do nosso cotidiano.

Thiego Goularte - Quando você fala no sentido mais amplo, temos muitas influências da cultura makers na tecnologia e na indústria, por exemplo. Quando olhamos para dentro da Makers, temos cases reais nas áreas de inovação, marketing e recursos humanos de grandes organizações. O que penso para o futuro será que haverá a convergência de ideias entre profissionais de diversas áreas, sabendo que eles precisam ser parte da mudança dentro do mercado. Será criando, colaborando e aplicando novas ideias que iremos criar organizações que tenham alto impacto no mundo e lideres que pensem de forma exponencial.

Felipe dos Santos Siqueira - Áreas sociais, sustentabilidade, tecnologia e sutilmente algumas outras. As expectativas para o futuro é o protagonismo e a "potencialização" técnica e comportamental dos makers. O mundo requer mais makers atuando em todos os setores.

Leandro Libério - Acredito que tenha começado a responder essa questão quando mencionei sobre as organizações que estão passando para uma transformação digital.

Do ponto de vista de impacto e futuro, acredito que a cultura maker está mais evidente quando discutimos a Indústria 4.0, ou seja, a nova revolução industrial, que envolve tecnologias habilitadoras como a manufatura aditiva (impressão 3D, por exemplo) e usinagem digital.

O que é mais fantástico na cultura maker e em sua relação com os desafios do futuro,  mesmo que seja aspectos humanos e subjetivos em alguns casos, se justifica ao utilizar-se de uma experiência maker para tangibilizar conceitos, sentimentos e atitudes que precisamos ter em nossas organizações e equipes.

O que as empresas podem aprender com a cultura maker?

Antoni Cristiano Romitti - Novas formas de se chegar a uma solução rapidamente e a prototipar novos produtos de forma barata, rápida e incentiva.

Thiego Goularte - Altruísmo, colaboração, empatia e alto impacto.

Felipe dos Santos Siqueira - Podem aprender a colocar as pessoas no centro da inovação.

Leandro Libério - Fantástica esta pergunta, pois é justamente nisso que venho desenvolvendo alguns projetos.

Acredito que duas aplicações podem ser percebidas logo de cara com a cultura maker nas empresas são:

1) team building: formação de equipes através de atividades colaborativos e colocando os atores frente à conflitos e questões sociais que precisam ser superadas.

2) estilo startup: tangilizar com efetividade características como criatividade, mas também experienciar o desenvolvimento de MVP e protótipos.

E, talvez, me atreveria a dizer que a fusão disso tudo e na perspectiva que colocar o colaborador como protagonista é sua aplicação em programas de intraempreendedorismo.

Empresas que estão preparando sua cultura para inovação precisam fortemente de contratar, reter e formar empreendedores internos, então nada melhor que investir em formar Makers para sua organização.

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